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Foto do escritorFernanda Carpegiani

PNRS | De quem é a responsabilidade pelo lixo?

Lentidão e ineficácia comprometem a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que completou 10 anos recentemente. Enquanto o Governo Federal prepara um novo plano, o país testemunha o aumento desenfreado de resíduos sem destinação correta.


Foram quase 20 anos de tramitação no Congresso Nacional para garantir a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Promulgada em 2010, a Lei 12.305 representou um avanço importante e inovador nas discussões sobre gestão de resíduos no Brasil. O problema é que pouco do discurso virou prática, segundo avaliações de especialistas na área. Em 10 anos de lei, a implementação das medidas propostas ainda é considerada lenta, pontual e, por vezes, ineficaz.


Um dos destaques da PNRS foi responsabilizar todos os setores da sociedade pela gestão dos resíduos sólidos, ou seja, a visão de uma gestão compartilhada. O texto deixou claro o papel e a função de cidadãos, empresas e diferentes instâncias do poder públicos, da municipal à federal. Para isso, instituiu a criação dos planos nacional, estaduais, municipais e locais de gestão integrada de resíduos sólidos. Aí já temos o primeiro obstáculo relevante: a maior e mais importante esfera pública ainda não tem um plano aprovado.

Até agora, houve duas tentativas nesse sentido. A primeira, em 2012. A segunda, em 2020: entre julho e novembro, foi aberta consulta pública para o Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos). Também foram realizadas seis audiências públicas, em todas as regiões do país. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o texto está alinhado com a Agenda de Qualidade Ambiental Urbana, lançada em 2019. Os principais programas dessa agenda são Lixão Zero, Combate ao Lixo no Mar e Logística Reversa.

Se forem aprovadas, as metas do Planares terão validade de 20 anos, podendo ser revisadas a cada quatro anos. Algumas das principais propostas: encerrar todos os lixões e aterros controlados existentes no Brasil até 2024, garantir o acesso à coleta seletiva para 72,6% da população até 2040 e atingir a universalização da coleta de lixo até 2036. Outro objetivo é instituir a cobrança pela prestação dos serviços de manejo de resíduos em todos os municípios brasileiros até 2040.

Essa versão do documento recebeu críticas de organizações ligadas ao setor de saneamento básico. "O plano foi feito por uma associação de empresas da iniciativa privada, a Abrelpe [Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais], com o objetivo de cobrar os municípios", explica a engenheira civil e sanitarista Heliana Kátia Campos, coordenadora da Câmara Temática de Resíduos Sólidos da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). "Mas o texto não trata de educação ambiental, por exemplo, que é fundamental."

"A ABES, junto com outras 71 instituições, entrou com uma representação no Ministério Público para que houvesse audiências e consultas públicas. As audiências aconteceram, mas de uma forma que não julgamos adequada e participativa, e até agora não se tem notícia do plano. Só a ABES encaminhou 216 observações ao texto, e não sabemos o que foi feito com isso", conta a especialista, que também é mestre em Desenvolvimento Sustentável e coordenou o fechamento do segundo maior lixão do mundo à frente do Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal.


Para avançar, é preciso apoio do governo federal


A falta de um plano nacional de gestão dos resíduos sólidos é indicada como um dos grandes obstáculos para a implementação de outras medidas da PNRS. Especialmente porque isso significa que falta apoio e direcionamento do governo federal para estados e municípios realizarem ações relacionadas ao manejo desses resíduos.



Imagem de homem com rosto de alface e mulher com rosto de garrafa.

Segundo estudo feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em agosto de 2020, a União não destina novos recursos para ações de resíduos sólidos desde 2016. Entre 2010 e 2020, foram autorizados R$ 415 milhões para este fim, mas apenas 0,8% do valor foi pago, o que corresponde a R$ 3,6 milhões. A análise também mostra que o governo federal precisaria investir, entre 2019 e 2033, cerca de R$ 800 milhões por ano no setor para alcançar a meta prevista no Plano Nacional de Saneamento Básico.


Com base em uma auditoria realizada em 2016 pelo Tribunal de Contas da União sobre o assunto, a CNM constatou que a União não cumpriu as deliberações necessárias para ações como a formação de consórcios de manejo de resíduos sólidos, por exemplo. O documento afirma que a Funasa, órgão que promove saneamento básico à população, "apresenta execução orçamentária e financeira incipiente, com baixo percentual de empenhos, de liquidação e de pagamento no transcorrer do exercício financeiro, mantendo alto índice de inscrição em restos a pagar não processados".


De acordo com a geógrafa Claudia Lins, supervisora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial da CNM, os resíduos sólidos fazem parte do saneamento básico e, portanto, competem ao governo federal. "Está na nossa Constituição que a obrigação de promover melhorias no saneamento é da União dos Estados e dos Municípios. Mas há muitos anos vemos um cenário de abandono em que os municípios estão sem apoio técnico e financeiro. Por isso a implementação da PNRS tem sido tão lenta", explica a especialista. Além de técnica da CNM, ela é doutoranda em Gestão Ambiental e Territorial pelo Departamento de Geografia da UnB, com pesquisa sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e as especificidades do território brasileiro.

Na sua visão, os planos federal e estaduais precisam oferecer condições para os municípios com a criação de programas e ações a partir de uma visão regional. Outro ponto importante é fortalecer e estruturar a articulação entre as diferentes esferas do poder público e o setor empresarial. "Não existe hoje uma instância de diálogo entre os setores. Nós precisamos de um órgão colegiado que possa integrar políticas públicas para resíduos sólidos, uma lacuna que foi identificada pela auditoria do TCU em 2016", afirma.


Trecho do filme DESCARTE, de Leonardo Brant, debate o lixo em nossa sociedade.


Gestão regionalizada tornou-se obrigatória

Uma das críticas feitas à PNRS é colocar as mesmas metas e medidas para todos os municípios do Brasil, sem considerar suas particularidades e, principalmente, limitações. "Um município pequeno no interior no semi-árido nordestino teve os mesmos prazos e condições do que São Paulo capital. Isso é desproporcional. Em Santarém, no Pará, da sede do município até o distrito mais distante são 18 horas de barco. Imagina fazer gestão de resíduos nesse cenário", exemplifica Claudia Lins.

Alguns municípios não têm áreas adequadas para a instalação de aterros sanitários de acordo com as normas ambientais, ou mesmo equipe técnica capacitada em gestão de resíduos. Outros ficam distantes demais dos pólos industriais de reciclagem, que estão concentrados na região Sul e Sudeste. "Na região Norte e Centro do país não há pólo de reciclagem de indústria de vidro, por exemplo. Apesar de ser reciclável, esse tipo de resíduo não tem condições de ser reciclado nessas regiões. Por isso é preciso avançar na desconcentração da cadeia de reciclagem."


A proposta de fazer a gestão regionalizada de resíduos foi reforçada pela Lei nº 14.026, novo marco regulatório do saneamento básico, assinado em 2020. "A lei mudou uma série de pressupostos da PNRS, entre eles a obrigatoriedade de fazer a gestão regionalizada. Não é possível que municípios de pequeno porte tenham cada um o seu aterro. Historicamente, isso não funciona. A Funasa financiou esses aterros e em menos de seis meses muitos viraram lixões, porque não tem quem saiba operar."

Outro ponto trazido pelo novo marco é a cobrança, aos cidadãos e usuários, pela prestação de serviços de saneamento básico dos municípios. "A gente considera isso bastante positivo, porque permite que se cobre de quem mais usa e de quem pode pagar. Se não há uma taxa, a cobrança vem embutida nos impostos e sem levar em conta o poder aquisitivo de cada um", defende Heliana.

Para Claudia Lins, esse é um dos desafios da esfera municipal. "A gestão de resíduos sólidos é o terceiro maior gasto dos municípios, e não se arrecada nem 5% do que é gasto. Fazer lixão e coleta misturada é barato e rápido, mas o sistema de gestão de resíduos sustentável tem um preço. E a sociedade não quer arcar com esse custo."


Resíduos sólidos em números


Nos últimos 10 anos, a geração total de resíduos sólidos urbanos no Brasil aumentou 19% e chegou a 79,6 milhões de toneladas por ano. A estimativa é de que em 2050 a produção de lixo deve crescer mais 50%, podendo chegar a 120 milhões de toneladas por ano. Os dados são do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, lançado pela Abrelpe.


A disposição inadequada de resíduos, para lixões e aterros controlados, também cresceu 16%, alcançando pouco mais 29 milhões de toneladas por ano em 2020. Se continuar assim, a projeção é de que serão necessários 55 anos para eliminar todos os aterros controlados e lixões do país.

O levantamento aponta que em 2010 havia iniciativas de coleta seletiva em 57,6% dos municípios em 2010, número que subiu para 73% na última década. A associação avalia, porém, que essas ações "ainda são bastante incipientes, e a falta de separação dos resíduos reflete na sobrecarga do sistema de destinação final e na extração de recursos naturais, muitos já próximos do esgotamento". Isso justificaria a manutenção da média nacional de reciclagem em 4% desde 2010.


Os 15 objetivos da PNRS

O artigo primeiro da PNRS explica que a Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, "institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis". No artigo de número 7, são descritos os 15 objetivos da PNRS.

Na avaliação da geógrafa Claudia Lins, da CNM, é difícil quantificar cada um deles para avaliar seu status. "Eles devem ser adotados por todo aquele que gera resíduos: união, estados, municípios, sociedade e setor empresarial. Quando se fala em adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas, por exemplo, é o setor empresarial. Já o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços pode envolver união e acordos setoriais de logística reversa", explica.

Conheça os 15 objetivos da PNRS:

I - proteção da saúde pública e da qualidade ambiental;


II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos;

III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços;

IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais;

V - redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos;

VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;

VII - gestão integrada de resíduos sólidos;

VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos;

IX - capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos;

X - regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 2007;

XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:

a) produtos reciclados e recicláveis;

b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;

XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;

XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto;


XIV - incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;

XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável.


 

* Coordenação editorial e edição de Sérgio Rizzo.

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