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  • Foto do escritorFernanda Carpegiani

ECONOMIA CIRCULAR | De ponta a ponta, sem perder qualidade

Processos e produtos devem ser pensados de forma cíclica, com o uso de sistemas integrados, restaurativos e regenerativos

A forma como produzimos e consumimos está cada dia mais insustentável, literalmente. A necessidade de cumprir as legislações vigentes -- entre elas, no Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) -- e o próprio esgotamento de recursos estão obrigando empresas e indústrias a repensar seus sistemas de produção. É nesse sentido que caminha a economia circular, modelo que aproveita ao máximo o valor de cada material por meio de sistemas integrados, restaurativos e regenerativos.


"É um modelo positivo que tem como objetivo manter os materiais em circulação com qualidade por várias cadeias", explica a designer e comunicadora Carla Tennenbaum. "Isso evita a necessidade de extrair e descartar mais recursos." Carla é sócia da Ideia Circular, empresa pioneira em educação e comunicação sobre design circular e economia circular no Brasil.


Mais do que reduzir ou minimizar os danos, como faz a reciclagem, a economia circular corta o mal pela raiz. Desde a sua concepção, os processos e produtos são pensados de forma cíclica. Essa preocupação elimina o próprio conceito de lixo e descarte. A inspiração para isso vem da metodologia Cradle to Cradle ("do berço ao berço", em português), cunhada em 2002 pelo arquiteto americano William McDonough e pelo engenheiro químico alemão Michael Braungart.


Em linhas gerais, a Cradle to Cradle vem para substituir a ideia de que um produto deve ser criado de forma linear, ou seja, do berço ao túmulo. "Um dos princípios é enxergar os materiais como nutrientes", observa Carla. "Isso vale tanto para ciclos biológicos, em que o resíduo volta para a terra de forma benéfica, para realimentar e não intoxicar ou poluir, quanto para a esfera técnica, da indústria. Materiais como metal e plástico também são finitos. Então, não adianta só fazer logística reversa. É preciso pensar no design desses materiais desde o começo, para permitir seu reaproveitamento total."


Agricultura e moda têm espaço para avanços


O Brasil é terreno fértil para a criação e implementação de sistemas circulares, segundo Carla. "Temos abundância de recursos, de criatividade e de cadeias que já são circulares. Algumas são perversas e foram construídas como alternativa à pobreza, como é o caso dos catadores e catadoras de materiais recicláveis. Mas o fato é que já existe uma cultura de valorização desses materiais."


Para ela, um dos setores em que há muito espaço para a economia circular é o agrícola. Alguns resíduos gerados por essa atividade são subprodutos valiosos, como a casca da laranja e o bagaço da cana-de-açúcar. Ao mesmo tempo, o próprio modelo de agricultura pode e deve ser pensado de forma regenerativa, de modo a devolver os nutrientes para a terra. "Já estamos propondo e até fazendo isso aqui no Brasil, mas em pequena escala, por enquanto. O modelo agrícola atual ainda é muito destrutivo e exploratório."


A indústria da moda é outro campo com potencial significativo para a economia circular. E isso vale tanto para grandes empresas quanto para os pequenos produtores. No primeiro caso, um bom exemplo é a C&A, que em 2017 se tornou a primeira varejista de moda no mundo a conquistar o nível Gold da Certificação Cradle to Cradle (C2C)™, com uma linha de camisetas sustentáveis e 100% recicláveis.


Em 2020, a marca expandiu a coleção, que também foi rebatizada de Ciclos. Quando grandes empresas implementam esse tipo de mudança, acabam gerando um impacto proporcional a elas, na análise de Carla. "A C&A, por exemplo, conseguiu que um fornecedor de corante criasse uma linha especial para ela, que é segura e saudável para o ciclo biológico. Agora, esse produto está disponível para toda a cadeia."


Esse é um dos desafios dos pequenos produtores, que nem sempre têm poder de barganha e recursos financeiros para investir em inovações mais sustentáveis. O lado positivo é que normalmente eles têm mais liberdade e autonomia, especialmente para começar novos negócios já considerando a economia circular.


Sistema tributário precisa estimular o melhor uso de recursos


A falta de incentivo é um grande obstáculo para o avanço da economia circular no Brasil. Para Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o processo de reciclagem precisa ser mais eficiente e mais barato. "Ele acaba gerando novas tributações e atingindo valor final mais caro do que um produto novo", diz.


Bomtempo acredita que a transição depende de melhorias na infraestrutura nacional e em políticas públicas. "Além disso, defendemos uma adequação do sistema tributário brasileiro para estimular o melhor uso dos recursos naturais", complementa. Pesquisa realizada pela CNI com o setor industrial mostrou que 73% dos representantes concordam com a seguinte afirmação: "A cooperação entre atores governamentais, empreendedores e consumidores deve ser promovida e a responsabilidade deve ser compartilhada na transição para a economia circular".


Também é importante tomar cuidado com apropriações do termo, como explica Carla. "Economia circular virou sinônimo para reciclagem tradicional ou qualquer iniciativa de reutilização de resíduos. Só que muitas vezes esse novo uso não tem tanta qualidade, justamente porque o produto ou o sistema não foi pensado desde o começo para ser circular."


Ela cita o exemplo da reciclagem de cápsulas de máquinas de café, compostas de uma mistura de materiais, como plástico, papel e resíduo orgânico. "Na reciclagem dessas cápsulas, é criada uma resina, material híbrido, que depois não é reciclável. Como não tem como manter o valor desse uso de forma permanente, não dá para chamar de economia circular."


Caminhos e oportunidades


Para Carla, o futuro é circular e investir nesse modelo pode trazer mais segurança e estabilidade para os negócios. "As empresas têm um grande potencial de liderar essa transformação no desenho dos produtos e sistemas. E também têm a responsabilidade de serem claras sobre o que estão oferecendo. O consumidor tem seu papel não só escolhendo esses produtos, quando puder, mas entendendo os critérios para saber cobrar."


A CNI tem atuado para elaborar uma norma técnica internacional sobre economia circular. "Nesse processo, temos estabelecido diálogos de alto nível com representantes do setor privado e da academia, que vêm trabalhando com as principais tendências conceituais e tecnológicas sobre o tema", explica Davi. "A indústria brasileira quer que práticas como recuperação energética de resíduos e eliminação de desperdícios nos processos produtivos sejam considerados na norma internacional."


Bons exemplos não faltam, no Brasil e no mundo. Por aqui, um dos mais emblemáticos e pioneiros é a Revoada, criada em 2013. A empresa transforma câmaras de pneu e tecidos de guarda-chuvas descartados em jaquetas, carteiras, bolsas, mochilas e brindes corporativos. Segundo o site oficial, já foram reaproveitadas mais de 14 toneladas de câmaras e 13 mil guarda-chuvas. Todo o processo produtivo é feito com base na economia circular.


Outro caso de sucesso é a chilena Algramo, que criou um sistema de compras a granel com embalagens reutilizáveis. Um dos diferenciais da iniciativa é ser também um negócio social chileno, pois tem como proposta uma nova forma de distribuição de alimentos para a população de baixa renda. Depois de vencer dois prêmios internacionais de inovação, a empresa pretende expandir sua atuação para EUA, Europa e Ásia.


 

* Coordenação editorial e edição de Sérgio Rizzo.



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