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  • Foto do escritorFernanda Carpegiani

LIXO ZERO | Em busca dos ciclos naturais sustentáveis

Metodologia "zero waste" emprega pré-requisitos internacionais em processo que envolve diagnóstico de problemas, criação de soluções e a tomada da "consciência do caminho"

Meta ética, econômica, eficiente e visionária. Assim começa a definição do conceito de lixo zero, ou desperdício zero, segundo a Zero Waste International Alliance (ZWIA), que realizou seu primeiro encontro oficial em 2003, no País de Gales. A proposta desse movimento é "guiar as pessoas a mudar seus modos de vidas e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais sustentáveis, em que todos os materiais são projetados para permitir sua recuperação e uso pós-consumo".


A construção desse novo modelo, que vem para substituir o industrial, passa pelo fim do descarte. "Quando você descarta algo, está se livrando daquilo e também da sua responsabilidade sobre aquilo", explica Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB), que representa a ZWIA no país e foi criado em 2010. "O problema começa aí. O resto é consequência desse ato de descartar. Por isso, falamos em trocar a palavra descarte por encaminhamento. Encaminhar carrega consigo a consciência do caminho."


O ILZB articula, mobiliza e provoca ações para promover a prática do lixo zero nos diversos segmentos da sociedade. Uma dessas iniciativas é a Certificação Lixo Zero, autorizada pela ZWIA, que analisa e atesta estabelecimentos e eventos comprometidos com a metodologia "zero waste" a partir de pré-requisitos internacionais. O processo envolve o diagnóstico dos problemas e também a facilitação para criação de soluções.


Sabatini explica que o trabalho do instituto se baseia na visão de autonomia do educador Paulo Freire. "Considero que todos nós somos oprimidos ecologicamente pelo sistema. E não é possível mudar o sistema usando os mesmos processos que levaram à opressão. Segundo Paulo Freire, a pedagogia do oprimido precisa ser construída autonomamente pelo próprio oprimido. E é isso que nós fazemos."


Outra inspiração é a seguinte frase do consultor, educador e consultor austríaco Peter Drucker (1909-2005), autor de livros como "Administrando para Obter Resultados" e "O Gestor Eficaz": "Nada é menos produtivo do que tornar eficiente algo que nem deveria ser feito". Para Sabatini, o lixo zero é uma jornada em busca da qualidade total com base na melhoria contínua. O indicador de performance, nesse caso, é o índice de desperdício. Assim, ele defende o planejamento e o estabelecimento de metas com foco no fim do descarte.


No Brasil, lei permite doação de excedentes de alimentos


O conhecimento sobre o tema lixo zero e suas aplicações vem crescendo nos últimos anos, especialmente fora do Brasil. Essa foi a conclusão de estudo realizado pela engenheira ambiental Rafaela Limons, professora dos cursos de Engenharia Ambiental e Engenharia Civil da PUC-PR. A especialista investigou o perfil da pesquisa global sobre lixo zero na gestão de resíduos com o objetivo de subsidiar futuras pesquisas.


Para ela, o lixo zero ainda é um conceito desafiador, tanto do ponto de vista da sua definição (e dos seus limites), quanto das práticas associadas a ele. As principais lacunas identificadas foram o lixo zero relacionado a resíduos alimentícios, a criação de políticas públicas e o desenvolvimento de métodos para medir a prevenção de resíduos. "Fora do Brasil, isso já está mais bem estabelecido. Na Europa, há políticas, metas e marcos que inserem essa questão", explica Limons, que estuda principalmente o lixo zero na alimentação.


Um dos exemplos é a possibilidade, ou mesmo a obrigatoriedade, de doar alimentos que seriam descartados por supermercados e restaurantes. Enquanto na Europa existem leis que exigem essa doação, no Brasil existiu por muitos anos um impedimento legal para isso. Aprovada em junho de 2020, a Lei Nº 14.016 passou a permitir a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.


Agora, Limons está trabalhando na criação de indicadores para a implementação do lixo zero na cadeia de alimentos. "Os atores envolvidos nesse processo, dos produtores ao poder público, não sabem por onde começar, que caminhos seguir e que critérios adotar. Por isso foquei na criação de indicadores e modelos para o desperdício zero, com base em entrevistas com esses atores".


Boas práticas exigem envolvimento da comunidade


Um dos exemplos significativos de política de lixo zero é a cidade de Kamikatsu, na província japonesa de Tokushima. Os pouco mais de 1,5 mil habitantes não contam com coleta de lixo e precisam separar, limpar e encaminhar seus resíduos em 45 categorias diferentes. Há 20 anos, quando começou a transição para esse sistema, que tem foco no desperdício zero, o município separava os materiais em 20 tipos.


Na Europa, existem diversos casos de sucesso quando o assunto é lixo zero. Na Itália, por exemplo, cerca de 300 municípios se comprometeram a zerar a geração de resíduos, de acordo com a organização Zero Waste Italy. Outro país que segue essa linha é a Alemanha, pioneira na adoção de modelos de tratamento de lixo e reciclagem. Um dos marcos nesse sentido foi a criação, em 1991, do sistema "ponto verde", que cobrava taxa das empresas para o financiamento da coleta, triagem e recuperação de resíduos.


Outra inspiração é a cidade de Hernani, na Espanha, que tem aproximadamente 20 mil habitantes. Em menos de 10 anos, a taxa de reciclagem por lá subiu de 30% para 80% com ações como coleta porta-a-porta, disponibilização de lixeiras residenciais pela prefeitura e instalação de centros de compostagem. Assim como em outras cidades, há políticas de desconto em impostos para os cidadãos que compostam seus resíduos.


E como fazer algo semelhante no Brasil? Criando células e depois replicando e multiplicando essas experiências, sugere Rodrigo Sabatini, do ILZB. Ele cita como exemplo Florianópolis (SC), onde mora. Em 2018, a prefeitura instituiu o programa Florianópolis Capital Lixo Zero e se tornou a primeira cidade brasileira a firmar esse compromisso. Entre as metas, está o desvio, até 2030, de 60% dos resíduos secos e 90% dos resíduos orgânicos enviados ao aterro sanitário.


 

* Coordenação editorial e edição: Sérgio Rizzo.


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